Ao poeta que a pariu

Poema concebido em Campinas [SP/BRA] jan./2012

Argollo Ferrão, A. M. de (2012). Ao poeta que a pariu [web]. Disponível em <https://argollo.arquiteturadocafe.com.br/antologia/poetica/ao-poeta-que-a-pariu/>.

Ao poeta que a pariu
Tanto a ser dito
E, no entanto, não consigo
Formular uma frase sequer
Que mereça um aparte,
Uma complementação
Ou um simples destaque
Que a transforme, assim,
Em mote para discussão.

Tanto a ser dito
E o meu poema — acredito —
Não se apresentou como tal,
Não resultou em catarse,
Nem de inspiração mui sutil,
O poema, de fato, nunca existiu,
Entretanto foi condenado,
Considerado maldito
Num cruel e sumário veredito.

E então, por que insisto neste ofício ?
O que me faz crer que haverá mudança ?
O poema não existe,
E o poeta, como um tolo, insiste
Em trazê-lo à luz
Para sua plena redenção.
Bendito seja, arte complexa,
Que ao artista só traz suplício !

O que é que impele essa pobre criatura
— reflexo do Criador —
A pensar que pode provocar mudança ?
Animar, resgatar a esperança ?

Manter vivos os corações do seu povo,
Trazer o brilho aos olhos
Como se nota no olhar da criança
Eterna, mítica, onipresente
Criança que habita cada ser
Humano — divino — profano.

O poeta, esse teimoso militante
Da cultura de seu povo,
Quando nasce, rebenta, eclode, sai do ovo,
Nunca mais deixa de promover
A Criação — Divina poiesis !

Tanto a ser dito
E nada registrou-se
Daquilo tudo o que se sentiu,
Pois a poesia, como tal, nunca existiu,
E o poeta que a pariu
Simplesmente desintegrou-se
No espaço — sumiu.

Sem registro, o que foi dito
Espalhou-se ao sabor dos ventos
E a força dos pensamentos
Não resistiu
No tempo — sucumbiu.