Banquete dos elevados

Poema concebido em Campinas [SP/BRA] fev./2012

Argollo Ferrão, A. M. de (2012). Banquete dos elevados [web]. Disponível em <https://argollo.arquiteturadocafe.com.br/antologia/poetica/banquete-dos-elevados/>.

Banquete dos elevados
E agora, entre o tênue limite
Que traz à tona a reticência […]
Que leva à dúvida entre falar e calar,
Entre ouvir e explicar, entre a prudência e a paciência,

Agora é que se pode constatar
Que o tempo nos devora, insaciável,
Com requintes de ironia e crueldade
Como a agonia de querer conciliar

A necessidade de se viver em comunidade
Querendo ao mesmo tempo estar só,
Solidário como a paixão que só o sol
Solitário tem pela lua.

O tempo nos devora, insaciável, 
Começando pelos rins,
Avançando ao fígado
Até atingir o coração

O tempo — esse bicho-papão
Que nos devora sem dó nem piedade.

O tempo nos devora a carne crua, sem cerimônia,
Num banquete requintado, cujo prato principal
É a nossa cabeça oca, de saborosas memórias
Marcadas por doces e amargas experiências.

Afinal o tempo nos devora afoito, faminto que é,
De maneira que não deixa sobras nem sombras
Do que fomos, do que somos, do que sonhamos,
Do que imaginávamos que um dia pudéssemos vir a ser.

Não sobra nada para contar a história,
Nem o cheiro que lhe desperta o apetite voraz,
Nem o gosto que lhe satisfaz o paladar,
Nada escapa desse glutão contumaz.

A não ser o agora ! Pois somente o agora
É que pode verdadeiramente
Alimentar o tempo presente
Nesse mítico banquete da mente.