Poema concebido em Campinas [SP/BRA] dez./2014
Argollo Ferrão, A. M. de (2014). Derradeira [web]. Disponível em <https://argollo.arquiteturadocafe.com.br/antologia/poetica/derradeira/>.
Derradeira
Esta é a derradeira oportunidade
De encerrar o ano sem falar besteira.
— Sem querer enxergar o que se encontra absolutamente oculto,
— Sem querer pedir perdão a quem quer que pareça ter bom coração,
— Sem querer me justificar por ter sido vil e arrogante embora bom cristão.
Nesta noite eu me coloco diante de vós
Que sois puro e ilibado,
E sério… vos peço perdão…
Pois é a derradeira…
Oportunidade que eu tenho de ficar quieto
E não escrever tanta besteira…
— Sem querer apelar ao vinho,
— Sem querer apelar à solidão,
— Sem querer dizer que sozinho […]
[eu me encontro de quatro, cabisbaixo, em solene posição de quem, sem drama nem orgulho, acaba de lamber o chão]
Esta é a derradeira…
Oportunidade que se tem de engolir o mundo
E valsar sobre o mais iluminado chão de estrelas.
— Sem pensar no acaso que me levou a elas,
— Sem contar com a sorte de tê-las encontrado,
— Sem falar da presença que se materializou em satisfação.
Derradeira…
Oportunidade última, sublime e inequívoca
De fechar o ciclo sem fazer besteira…
— Sem chutar o balde,
— Sem meter o nariz onde não foi chamado,
— Sem se sentir o tal, ou um imbecil, um mero coitado.
É a derradeira oportunidade de calar-me
E deixar de proliferar tanta besteira…
Em versos mal escritos, mal acabados, sem eira nem beira.
— Sem querer controlar ninguém,
— Sem pedir clemência,
— Sem se arrepender do que faz…
Esta é a derradeira…
Oportunidade que se abre, por um instante que seja,
Para encerrar o período na mais perfeita pasmaceira…
— Sem saber se já se chegou ao fim,
— Sem entender muito bem o que foi dito,
— Sem ter comido a comida que se ofereceu.
É a derradeira…
Oportunidade de matar a fome
Apenas com um ovo frito […]
[ovo da mais mística e esotérica ave que voa sobre a minha cabeça e me faz olhar para cima permanentemente até que eu me esqueça da dimensão em que me encontro]
— Sem questionar a forma,
— Sem flertar com o perigo,
— Sem desprezar o conteúdo.
Esta é a derradeira…
Oportunidade que eu tenho de reconhecer os meus erros
E verificar que sem elas, eles se multiplicam…
— Sem contar os desdobramentos,
— Sem querer explicá-los,
— Sem falar das flores…
E para não dizer que eu não falei das flores…
Esta é a derradeira…
Oportunidade que se apresenta
De semear, para florescer e frutificar… meus amores.