Fique em casa

Poema concebido em Campinas [SP/BRA] SET./2020

Argollo Ferrão, A. M. de (2020). Fique em casa [web]. Disponível em <https://argollo.arquiteturadocafe.com.br/antologia/poetica/fique-em-casa/>.

Fique em casa
Pasmo percebi que você invadiu o meu espaço
E que se não fosse isso — apesar do embaraço — nem sei !
Você me obrigou a obedecer e colaborar, mas eu me neguei
Ante as falácias e ameaças que o teriam levado ao fracasso.

Pasmo percebi que a sua invasão poderia perdurar
O tempo que fosse necessário para me proteger
Mesmo que eu discordasse e não fizesse por merecer
A sua generosidade, firmeza e a pretensão de me salvar.

Obviamente eu fui um tolo em crer que você não se atreveria
A invadir solenemente o âmbito dos cidadãos de bem,
Pois imaginei que vivendo em uma sólida democracia
A liberdade representasse o maior valor para quem a tem.

Mas o seu discurso me convenceu que a vida vale mais
Que as migalhas acumuladas por quem é livre,
Pois a sorte de quem se cala e se isola e se submete e vive
É a morte do pensamento livre e das liberdades individuais.

Consternado assumi que eu não sei cuidar de mim,
Eu não sei cuidar de você nem de ninguém…
Como é que eu poderia pleitear, enfim,
Que você não se metesse e não fosse além ?

Grande contentamento, júbilo, regozijo !
Hei de bradar o seu nome aos quatro ventos
Por ter me poupado de maiores sofrimentos
Sacrificando-me a liberdade — que eu não a exijo.

Salve, oh iluminado ! A benção, meu benfeitor !
Ficarei para sempre de joelhos, conformado e grato
Por merecer usufruir de minha casa, minha vida…
Morra o desgraçado insensato que me aponta a porta de saída.