Poema concebido em Campinas [SP/BRA] jun./2011
Argollo Ferrão, A. M. de (2011). Frio [web]. Disponível em <https://argollo.arquiteturadocafe.com.br/antologia/poetica/frio/>.
Frio
Frio, muito frio mesmo, frio demais... E estamos apenas entrando madrugada adentro. Meu coração teme se congelar Pois já bate meio tonto, Meio sem ritmo, Todo preguiçoso. Não abro a janela, Não deixo o sol entrar, O dia passa todo moroso E quando chega a noite, recolho-me Sem querer conversa, Recolho-me sem falar. Vou para a cama cedo E não quero saber de nada A não ser uma leve leitura — talvez poesia — Ou uma xícara de chá. É sim. A noite está fria. A madrugada vai congelar O que já não está lá muito quente, Mas morno, insosso, sem graça Bate o meu coração... Frio — em uma palavra — frio. Meu coração teme mesmo se congelar, E se for este o caso, Quem é que vai notar ? Quem é que vai perceber Que o batuque esfriou ? E o galo ainda nem cantou — não vai cantar — Porque está frio demais Para agitar o terreiro. Quem é que vai querer ver o sol nascer Para derreter o gelo acumulado Ao longo de toda a madrugada, Toda uma vida na mesma toada ? Olha o sol aí gente ! Recomecem a batucada… Ah se fosse possível retroceder Ao tempo em que se desejasse viver, Eu congelaria cada momento eleito. Se fosse possível sofrer Só o tanto necessário Para abrir um bom vinho E numa taça sorver o lamento, Transformar o pretensioso, Insuportável sofrimento Num sorriso doce De paz e contemplação — em tempo — O “se" não faz a história Mas se fizesse eu seria — sim — Senhor do Tempo. O frio dói na pele, Está frio demais ! E se em vez de pensar No que poderia ter sido, A gente pudesse transformar em luz Toda reticência que se interpõe Entre o ato falho E a certeza do fazer sem pensar — a consciência, sim — Toda a história poderia mudar.