Há bem pouco tempo

Poema concebido em Campinas [SP/BRA] fev./2011

Argollo Ferrão, A. M. de (2011). Há bem pouco tempo [web]. Disponível em <https://argollo.arquiteturadocafe.com.br/antologia/poetica/ha-bem-pouco-tempo/>.

Há bem pouco tempo
Há bem pouco tempo
Eu podia dizer que era feliz,
Que me sentia pleno,
Íntegro e tranquilo — sereno —
Era fácil me verem sorrindo,
Eu beijava a boca
De quem me olhava pedindo
Assim (...) me pedindo carinho,
Falando baixinho (...) eu beijava,
Mas continuava seguindo
O meu solitário caminho.

Há bem pouco tempo
Eu tinha certeza que na vida
Só se pode contar com as mudanças
Que ela sempre traz.

Há bem pouco tempo
Eu caminhava sem olhar para trás,
Sem me preocupar
Aonde o meu caminhar iria me levar,
Eu simplesmente contemplava
As curvas que se insinuavam
Na paisagem mais bela,
Estampada na minha tela
Mental, minha janela
Para o mundo real (...)
Este que não conhecemos
Somente com os cinco sentidos.

Ou então, eu simplesmente
Seguia reto,
Sem muita pressa de chegar
Ao ponto final, ao porto seguro
Que eu nem mesmo sabia
Se era ou não era — um local de parada.

Há bem pouco tempo
Eu dormia em paz
A noite inteira,
E sonhava como quem reza (...)
E como numa autêntica prece,
daquelas que produzem os melhores efeitos —
De imediato,
Eu sonhava e rezava... — e sonhava que rezava...
E logo eu era atendido, agraciado,
Pois era comprometido com o Bem,
Uma espécie de santo protegido,
Um anjo puro, um neném,
Embora um tanto mimado (...)

Mas não sei o que é que houve comigo.
De que sina eu fujo ?
De que mal fui acometido ?
Pois que já há algum tempo eu não sinto
Os efeitos sagrados da prece
Que há bem pouco tempo eu rezava,
Efeitos benéficos e sublimes
Que há bem pouco tempo eu sentia (...)

Eu não durmo, não sonho, nem sigo caminho algum,
Não rezo nem prezo este fato, não beijo na boca,
Minha vida segue e eu a considero oca,
Fico sempre calado, acabrunhado, inerte,
Esperando um estalo qualquer,
Um copo de água, um prato de sopa (...)

Há bem pouco tempo
Isso para mim era motivo de satisfação,
Mas era motivo de briga também,
Pois entre meus guias, santos e gurus
Havia quem discordasse do que se tem como Bem
E, portanto, nunca me deixaria aquém
De uma pretensa condição absolutamente Zen.

Mas mesmo esses mais nada me dizem,
Estão quietos demais,
Parecem cansados, indiferentes,
E apenas me olham sem prestar atenção.

As minhas ações,
Minhas orações,
Os meus ideais
E o meu pensamento
Há bem pouco tempo
Criavam do nada o roteiro mais belo
Que me realizava — plenamente.

E eu era mesmo feliz,
Íntegro e tranquilo — sereno —
Vibrava em sintonias sutis,
Sob as graças da mais sagrada Luz
Energia que me preenche e ilumina,
Vitamina que me falta — fortalece —
Prece veraz que me alimenta,
Paz que me sustenta e compraz,
Como a cruz que tanto salva como afugenta,
Farol sublime que me eleva e conduz.